Por Fausto Ferreira, Luis Rasquilha e Marcelo Veras

Sua empresa está atolada? Muitas es-tão. Sabem que precisam manter o negócio rentável e saudável hoje e, ao mesmo tempo, prepará-lo para o amanhã, num conceito conhecido como “ambidestria organizacional”. O conceito existe há anos, mas a luta para aplicá-lo ainda é grande, segundo todas as evidências.

Por quê? A abordagem padrão, mais recomendada, para a ambidestria requer investimento e oferece vários riscos consiste em criar estruturas separadas para diferentes tipos de atividades, as que cuidam do presente e as devotadas ao futuro.

E, sem estruturas separadas (uma startup gerada na empresa, por exemplo), os contextos existentes não apoiam efetivamente a ambidestria e o alto desempenho. Os desafios de curto prazo sugam tanta energia, que fica difícil pensar em algo que está longe, não gera resultados visíveis e é incerto.

Ao longo dos anos, temos trabalhado bastante com isso e vemos alguns pontos comuns entre as iniciativas que têm sucesso, que compartilhamos neste artigo. Acreditamos que a ambidestria deva ser vista como um novo modelo de atuação que coloca frente a frente contextos aparentemente antagônicos, tornando-os complementares. 

*ESCOLHENDO UMA FORMA DE AMBIDESTRIA *

O termo “ambidestria” aterrissou na gestão há menos de duas décadas. Significa originalmente a capacidade de se ser igualmente habilidoso com ambas as partes do corpo e deriva do latim: “ambi” significa “ambos” e dext, “certo”, e chegou mais especificamente em dois papers, em 2004. “Building Ambidexterity into an Organization”, de de Julian Birkinshaw e Cristina Gibson, publicado na MIT Sloan Management Review, apresentou abordagens para os gestores lidarem com o dilema de cuidar do negócio e da estrutura atuais e, ao mesmo tempo, olhar para negócios emergentes e estruturas futuras.

De lá para cá, a abordagem que se tornou padrão foi a de criar ambidestria estrutural, ou seja, criar estruturas separadas para diferentes tipos de atividades e iniciativas. Por exemplo, as unidades de negócios centrais recebem a responsabilidade de criar alinhamento com os produtos e os mercados existentes; e o departamento de P&D e o grupo de desenvolvimento de negócios têm a tarefa de prospectar novos mercados, desenvolver novas tecnologias e acompanhar as tendências emergentes do setor. A separação estrutural é necessária, porque os dois conjuntos de atividades são tão diferentes, que não podem coexistir efetivamente.

Existe outra abordagem, no entanto, que ganhou menos tração que a estrutural, mas é tão relevante quanto: a ambidestria contextual. Ela se manifesta no nível dos indivíduos que fazem parte da organização e seus comportamentos; relaciona-se com o contexto de atuação da empresa e seus colaboradores. Ela difere da ambidestria estrutural em muitos aspectos importantes, mas as duas abordagens são mais bem-vistas como complementares.

Se pensarmos no corpo humano, a ambidestria estrutural é como se a pessoa destra acrescentas-se uma prótese eletrônica ao braço esquerdo para conseguir escrever com a mão esquerda. E, se jogasse futebol, poderia acrescentar uma prótese similar à perna esquerda, para chutar tão bem com ela como com a perna direita. O canhoto instalaria as próteses do lado direito. Já a ambidestria contextual seria como se, desde a escola, os alunos fossem estimulados a escrever com ambas as mãos e, nas aulas de educação física, a chutar com ambas as pernas no treino de futebol.

Idealmente, os dois tipos de ambidestria devem ser acionados pela liderança, justamente por sua complementaridade. Mas, de muitas maneiras, a ambidestria contextual pode ser mais fácil de aplicar ensinar em vez de ter uma prótese eletrônica e pode ser o ponto de partida das empresas.

GESTÃO DO CONTEXTO

Como os gestores podem começar a pensar sobre a construção de ambidestria contextual em suas organizações? Sumantra Ghoshal e Chris Bartlett definem contexto como o conjunto frequentemente invisível de estímulos e pressões que motivam as pessoas a agir de uma determinada maneira.

Com essa linha de pensamento, os gestores moldam o contexto organizacional por meio dos sistemas, incentivos e controles que implementam, e pelas ações que realizam no dia a dia (gestão de desempenho). Em seguida, o contexto é reforçado pelos comportamentos e pelas atitudes das pessoas em toda a organização (suporte social).

Embora os fatores de gestão de desempenho e suporte social não criem diretamente alto desempenho, eles moldam os comportamentos individuais e coletivos que, com o tempo, permitem ambidestria, o que leva a um desempenho superior.

Quanto mais uma empresa enfatiza a gestão de desempenho e o suporte social, mais provável é que seus funcionários se comportem de maneira ambidestra alinhados e adaptáveis e mais provável é que a organização alcance alto desempenho. Uma deficiência de gestão de desempenho ou apoio social criará contextos menos ideais para a ambidestria.

No contexto que dá ênfase à gestão de desempenho, os sistemas de apoio social são negligenciados ou nunca implementados. E o desempenho acaba sendo prejudicado, pois os funcionários, exaustos e desencantados, não têm capacidade nem incentivo para executar ou inovar. Já o contexto no qual há um forte sentido de apoio e confiança, mas ninguém trabalha muito, e um desempenho medíocre é tolerado, pode ser tão disfuncional quanto apre-sentado anteriormente. Muitas agências governamentais, universidades e estatais, por exemplo, caem nessa categoria, mas não apenas elas.

CAMINHOS PARA A AMBIDESTRIA

Para executivos que buscam construir uma organização ambidestra, existem cinco lições principais que emergem de nosso trabalho.

1. Diagnostique seu contexto organizacional. Antes que uma organização possa dar passos em direção a um contexto de alto desempenho, ela deve descobrir onde está atualmente em termos de gestão de desempenho, suporte social e o equilíbrio entre os dois. Uma ferramenta de diagnóstico simples que envolve respostas de um grande número de pessoas em toda a empresa produzirá uma análise quantitativa básica e útil. Pode ser complementada com uma discussão mais qualitativa do contexto na organização.

Na medida em que as duas análises se reforçam, surge uma imagem confiável de quais mudanças precisam ser feitas ao longo de quais linhas para mover a organização rumo ao alto desempenho.

2. Concentre-se em algumas alavancas e aplique-as de maneira consistente. Não há evidências de que alavancas organizacionais específicas, como remuneração de incentivos ou gerenciamento de risco, estejam consistentemente vinculadas ao sucesso. Existem muitas maneiras de construir um contexto organizacional que possibilite a ambidestria.

As empresas de melhor desempenho, no entanto, são aquelas que se concentram consistentemente em apenas algumas alavancas. Quanto mais consistentemente elas forem aplicadas, mais fácil será para os funcionários de toda a organização entender as mudanças em andamento. A consistência é crucial, uma vez que o contexto organizacional não cria, por si só, alto desempenho, mas permite a ambidestria em nível individual que, com o tempo, leva ao alto desempenho.

3. Construa o entendimento sobre ambidestria em todos os níveis da empresa. Quanto mais baixo um colaborador está na hierarquia corporativa, menos valor ele dá às características ambidestras da organização e menos ele as cultiva um padrão que é chamado de “efeito erosão”.

4. Use a ambidestria estrutural como complemento. A ambidestria contextual não é uma alternativa à ambidestria estrutural, e sim um complemento. A separação estrutural pode às vezes ser essencial, embora temporária; é um meio de dar a uma nova iniciativa o espaço e os recursos para começar. O objetivo final deve ser a reintegração com a organização dominante o mais rápido possível. A ambidestria contextual pode melhorar os processos de separação e reintegração.

Quase todas as pesquisas sobre ambidestria enfocam a separação estrutural entre atividades orientadas para o alinhamento e atividades orientadas para a adaptabilidade. Muitas grandes em-presas estabeleceram unidades de risco corporativo para fomentar novas ideias de negócios. Mas há um perigo: o de essas unidades se tornarem isoladas e irrelevantes para a estratégia da empresa.

5. Veja as iniciativas de ambidestria contextual como “impulsionadoras da liderança”, não como “orientadas para a liderança”. A ambidestria surge não apenas por meio da estrutura formal ou das declarações de visão de um líder carismático. Em vez disso, é alcançada em grande parte por meio da criação de um contexto de apoio no qual os indivíduos fazem suas próprias escolhas sobre como e onde concentrar suas energias.

A liderança, em outras palavras, torna-se uma característica de todos na organização. O ímpeto rumo à ambidestria às vezes pode ser impulsionado por iniciativas de cima para baixo, mas o objetivo é permitir que a liderança surja na organização em todos os níveis e que a liderança emergente e onipresente seja inerentemente ambidestra.

ALINHANDO OS RESPONSÁVEIS

Por fim, três stakeholders têm a responsabilidade maior de garantir o que chamamos de “ambidestria corporativa” a gestão, a propriedade e o conselho. Trata-se de um desafio, porque nem sempre essas três entidades estão alinhadas nesse sentido. Às vezes até estão alinhadas quanto à importância de ser ambidestro, mas não do timing em que os movimentos precisam ser feitos. E conflitos de agenda são invitáveis quando nem todos têm a convicção de que (ou quando) a ambidestria é necessária, o que pode ser uma armadilha.

O elo entre os interesses desses três pilares deve ser um só: a longevidade. Para conseguir cumprir com sucesso uma agenda de ambidestria alinhada com os pontos citados, são necessárias duas frentes de atuação. Esses três stakeholders devem trilhar juntos uma jornada de educação no tema de ambidestria com foco em contexto e gestão de mudança, metodologias e ferramentas.

Cada um, individualmente, deve trilhar também a sua jornada pessoal de desenvolvimento, pelo coaching de ambidestria, cujo principal objetivo é fazer uma avaliação individual para identificar e atacar modelos mentais que possam prejudicá-lo na adoção desse modelo. O processo dá suporte e prepara o indivíduo para o enfrentamento dessa nova abordagem estratégica para trabalhar, simultaneamente, as funções de exploitation (construção de capacidades e recursos para gerenciar o presente) e exploration (construção de capacidades e recursos para o gerenciamento do futuro) de sua organização.

O FUTURO EXIGIRÁ NOVAS ESTRATÉGIAS E AÇÕES que precisam ser pensadas e planejadas hoje, sob pena de sermos pegos de surpresa por um novo paradigma que não nos permita, a tempo, preparar a organização e fazer o movimento.

Não é fácil definir e implementar uma jornada de ambidestria, mas ela pode ser a distância que separa uma organização do sucesso e da longevidade ou do insucesso e da falência.

"Conteúdo originalmente publicado na Revista HSM Management Edição 147".