É inequívoco e sensível em nosso cotidiano que as mulheres vêm conquistando mais espaço e expressão nas diversas dimensões de nossa sociedade. Mas ainda há muito para construirmos para que conquistemos igualdade plena e para que a presença feminina não seja uma exceção. Como ainda é.

As eleições de 2022 mostraram, mais uma vez, a desigualdade quando o assunto é a participação feminina na política brasileira. Segundo dados da Justiça Eleitoral, o número atingiu um recorde, representando 33% dos candidatos, mas o crescimento foi 2,2% menor em comparação com a eleição de 2018.

Apenas duas mulheres foram eleitas governadoras. A Câmara dos Deputados terá 18% de mulheres, e outras quatro ocuparão cadeiras no Senado das 27 vagas em disputa. No México, por exemplo, metade dos deputados eleitos se declara do sexo feminino.

No mercado de trabalho, elas têm sido, tradicionalmente, desfavorecidas, e muitos estudos documentam padrões e tendências nas desigualdades de gênero. No entanto, a vida profissional tanto de mulheres quanto de homens mudou consideravelmente desde meados do século 20.

Em quase todos os países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as mulheres agora têm níveis educacionais mais elevados do que os homens. Em muitos países, elas representam mais de 40% da força de trabalho, mesmo assim o processo de igualdade é extremamente lento: serão 136 anos para alcançar a equiparação de salários, de acordo com o último relatório anual do Fórum Econômico Mundial.

Mulheres e homens tendem a ser agrupados em diferentes ocupações e setores. A segregação laboral restringe as escolhas para ambos, e os trabalhos com maior probabilidade de serem desempenhados por mulheres estão associados a baixos salários e perspectivas limitadas de progressão.

Esses empregos estão ligados à limpeza, alimentação, varejo, trabalho administrativo e cuidadoras. Os homens que trabalham nesses setores dominados por mulheres são mais propensos a ocupar cargos seniores ou gerenciais.

A desvalorização dos papéis está relacionada aos estereótipos de gênero. O trabalho das mulheres tem status e valor mais baixos porque as habilidades são percebidas como inerentes a elas. Como resultado, a remuneração não é justa.

A diferença salarial entre os profissionais de medicina foi alvo de um estudo da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). O cálculo indicou que 80% das mulheres da área ocupam as três classes de renda inferiores, enquanto 51% dos homens estão nas três faixas mais elevadas de rendimento.

Recursos humanos é outro campo onde a esmagadora maioria é feminina. Nos Estados Unidos, em 2017, 86% dos gerentes de RH eram mulheres. Mas, apesar de seu destaque, elas ainda recebem menos: os gerentes de RH do sexo masculino levam para casa 23% a mais do que suas colegas de trabalho.

Uma mudança sistêmica é a única maneira de corrigir erros

O relatório de 2018 da Accenture sobre igualdade de gênero é transparente sobre a demografia dentro da empresa. Por exemplo, 45% dos novos contratados e 32% dos diretores administrativos recém-promovidos são mulheres. Os planos são de alcançar uma força de trabalho com equilíbrio de gênero até 2025.

As organizações comprometidas com mudanças positivas na cultura de trabalho atual estão tomando medidas orientadas para a ação em direção a uma melhor diversidade, equidade e inclusão. E o tema da participação feminina na liderança e nas “rodas” de decisão é um ponto que requer atenção. Encontramos muitas corporações que, à semelhança das políticas de cotas em universidades, monitoram o percentual de mulheres nos diversos cargos de decisão (gerentes, diretores e conselheiros), definindo metas para chegar ao ponto ideal.

Este é um processo de conquista e de recomposição. O período de 1960 a 1980 foi marcado, em muitos países, pela conquista feminina ao poder do voto, ao direito à educação e à possibilidade de busca de autonomia econômica, portanto de espaço no trabalho fora de casa ou da família. Após a década de 1980, a discussão já não era sobre a mulher poder trabalhar, mas sobre a equidade salarial e a progressão e ascensão aos cargos de chefia.

Logo, convivem no mercado de trabalho gerações que foram educadas sob a ótica de “lugar de mulher é em casa e na cozinha”, com as jovens que se formaram nas melhores universidades e apresentaram capacidade idêntica de alta geração de valor e/ou empreendedorismo.

E transformar a cultura individual requer um esforço árduo. Todos assistimos a retrocessos, o que deixa claro que os espaços não estão totalmente consolidados e ainda há muito para caminhar. Aliás, alguns anos ainda para que a cultura possa gradualmente absorver equidade como um valor, portanto, um traço fundamental.

Sabemos que muitas conquistas passam a ganhar escala quando são transformadas em legislação e em políticas nas organizações privadas ou públicas. O que significa que, mesmo sob algum grau de contrariedade e desconforto para algumas pessoas, vão sendo exercitadas e aperfeiçoadas em nossa sociedade.

É um processo longo e o que nos alegra é que ele está em marcha. É um orgulho podermos olhar para trás e perceber o eco de pessoas que tiveram a coragem de questionar, ao longo da história, as diferenças que não eram diferenças, mas justificativas.

É um alento conviver com líderes femininas brilhantes, como cientistas, empreendedoras, executivas e políticas. Principalmente porque é a resposta mais eloquente à pergunta que era (espero que resida no passado) “se elas são tão boas quanto os homens, porque não víamos grandes nomes entre artistas, cientistas e políticos até o século 20?”.

Sabemos, hoje, que esta não é de fato uma pergunta, mas somente uma justificativa para o círculo vicioso que nos prendia: sem espaço, ninguém brilha.

Uma sociedade só é justa, quando é equânime.

Agora é usar este caminho vencedor (ou quase!) para olharmos para todos que merecem, também, espaços igualitários para mostrar o seu valor!