Liderança multimodal traz novos desafios aos gestores e exige as competências de condutor, catalisador, coach e patrocinador.
Segundo uma pesquisa da KPMG no Brasil, o ano de 2022 vai marcar a retomada da presencialidade no trabalho. Mas não de forma total: entre os entrevistados, ligados a 287 empresas brasileiras de diversos setores, 85% apostam no hibridismo. O estudo indica, inclusive, que a maior fração de tempo caberá ao modelo virtual – algo como três dias em casa e dois no escritório. Apesar de algumas resistências e temores em relação a um eventual enfraquecimento da cultura organizacional, o que era uma projeção está prestes a se tornar realidade: o mundo do trabalho no pós-pandemia assume o formato híbrido, ou multimodal, combinando o remoto e o presencial.
Nesse cenário, uma grande preocupação das empresas diz respeito à adequação das lideranças. “A ‘volta ao normal’ é o maior desafio dos líderes este ano, o que inclui não só a definição de um modelo de trabalho como manter um nível de engajamento alto da parte dos talentos”, afirma Jorge Elias, presidente da Ingredion para a América do Sul. Flavia Bittencourt, CEO da Adidas no Brasil, concorda: “Do ponto de vista da gestão de talentos, parece que um grande desafio da liderança será o retorno ao escritório. Estamos trabalhando num plano de transição”. Para ela, o trabalho remoto não vai desaparecer, mas o contato físico deve ser estimulado, por ser benéfico à cultura organizacional.
Como os líderes estabelecem metas, monitoram avanços, promovem o compartilhamento de informações e garantem a conexão entre os que estão em casa com o pessoal do escritório? Em outras palavras, como garantem a comunicação e a colaboração eficazes? Estudos diversos mostram que essa é uma dor efetiva – no estudo da LiveCareer, por exemplo, mais de um terço dos entrevistados percebiam desafios significativos nesses fronts, desafios esses que cabem aos líderes.
Os professores de comportamento organizacional e liderança da IMD Business School Robert Hooijberg e Michael Watkins debruçaram-se sobre essas questões. Depois de identificar que o trabalho multimodal exige novas competências de todos, eles definiram quatro papéis a serem desempenhados pelos líderes. A seguir, você confere e entende cada um deles.
1. Condutor
Hooijberg e Watkins comparam o papel de condutor ao do maestro de uma orquestra. Assim como o maestro faz com os músicos em um concerto, o líder deve garantir que os colaboradores realizem suas tarefas com êxito individual e coletivo. Isso vale especialmente para o trabalho online, quando o acompanhamento da rotina não é simples.
Nesse processo, as plataformas virtuais de conferência precisam ser usadas com parcimônia e eficiência. “O sucesso desse papel depende do equilíbrio entre a demonstração de cuidado e o engajamento genuínos e o microgerenciamento, que abala o estado de espírito da equipe”, escrevem os pesquisadores em artigo publicado na MIT Sloan Management Review Brasil.
2. Catalisador
Já o papel de catalisador se aplica com mais ênfase durante o trabalho presencial. Na química, o termo se refere à substância que aumenta a velocidade de uma reação. No trabalho, significa que o líder deve estimular características como colaboração, criatividade, inovação, dedicação, assim como a criação de uma cultura comum entre os colaboradores.
“Para tanto, a liderança cria um ambiente de confiança e segurança psicológica. Isso facilita a existência de diálogos francos e de debate criativo ao se discutir ideias”, explicam Hooijberg e Watkins. Nesse caso, tudo depende da construção de vínculos que vão além da distribuição de ordens, para que o líder funcione como um suporte da equipe.
3. Coach
O papel de coach diz respeito ao contato dos líderes com cada pessoa da sua equipe. Em resumo, trata-se de ajudá-los individualmente a melhorar a performance, a produtividade e o engajamento. Ao contrário do condutor (predominantemente remoto) e do catalisador (predominantemente presencial), o coach atua tanto no home office como no escritório.
Além do desenvolvimento profissional, seu foco está na garantia do bem-estar do colaborador. Afinal, equilibrar a nova rotina com a satisfação pessoal é um dos principais desafios do trabalho híbrido. “Este papel exige um alto grau de inteligência emocional e a habilidade de equilibrar a empatia e a pressão por superar limites", defendem.
4. Patrocinador
O papel de patrocinador requer a defesa externa da sua equipe junto, por exemplo, aos demais gestores e stakeholders. Essa defesa engloba a busca por recursos, a comunicação dos resultados e a construção de uma imagem positiva. Assim como no coach, sua atuação acontece tanto no ambiente virtual como no presencial.
Na pesquisa, Hooijberg e Watkins reforçam a necessidade de determinadas competências para exercer a função. “O papel de patrocinador requer habilidades de negociação, influência fora da alçada e o estabelecimento de alianças", escrevem. “Quanto mais alta a posição na empresa, maior a demanda pelo papel do patrocinador”, completam.
Confiança é palavra-chave
O sucesso do líder depende da habilidade de se adaptar aos quatro papéis citados acima, conforme as particularidades do seu time. Mas o fio condutor dessa jornada precisa ser, mais do que nunca, a confiança entre a liderança e as equipes. Isso porque o modelo híbrido se baseia no entendimento de que cada um está fazendo suas tarefas, independentemente do local e horários em que prefira trabalhar.
Os pesquisadores apontam duas maneiras de reforçar a confiança, sobretudo no ambiente virtual.
Uma delas é compartilhar as realizações individuais, a fim de que todos acompanhem as entregas da equipe e se sintam parte de algo maior. A outra consiste em checar individualmente o andamento das tarefas, auxiliando os colaboradores caso necessitem de ajuda.
Seja como for, é hora de adaptação da liderança.